quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Tudo igual porém diferente

Imagem: Pixabay
Semana passada começaram as aulas aqui em Bremen. Pra mim isso é sempre um mega evento. Mesmo com pouco mais de uma década de ensino, eu ainda tenho calafrios e noites mal dormidas dias antes do início de um novo semestre escolar. Vocês podem imaginar meu estado semana passada, quando o início do semestre representava ao mesmo tempo não só os habituais livros novos, alunos novos, níveis novos, mas também outras nacionalidades e seus nomes muitas vezes complicados de pronunciar, nova escola, nova cidade, novo país, nova cultura, nova língua. Pra minha sorte, comecei com pé direito. Minhas turmas são extremamente legais e motivadas. Mas as comparações Brasil X Alemanha são invitáveis.

Ensinar em Bremen ou em Salvador pode ser tão parecido a ponto de ser decepcionante. Uma pessoa que voa milhas para ter uma experiência profissional diferente pode se frustrar ao perceber que aluno alemão iniciante erra exatamente as mesmas coisas que aluno brasileiro. É um tal de "he go", "she do", "it have" que as vezes dá vontade de arrancar os cabelos. Ponto para os linguistas que dizem que essa é "the bitchiest of all forms to acquire". 

As diferenças são sutis, porém marcantes. A primeiríssima delas é ter de educadamente perguntar a todos no início da aula se o tratamento pode ser coloquial. Basicamente deixar bem claro, já desde o início, que você prefere ser tratada por você e que você espera poder tratá-los da mesma forma. Quando alguém discorda disso, tenho de usar todas as minhas forças para me lembrar de usar o "Sie" (uma forma mais distante e formal, como "o Senhor ou a Senhora") com essa pessoa.

A segunda diferença é o número de nacionalidades diferentes em cada turma. Quanto mais avançado o grupo, mais interessante é a aula, pela possibilidade de poder trocar muitas experiências e pontos de vista diferentes que decorrem das diversas culturas presentes na sala. Toda vez que aparecia alguma pergunta de contraste de culturas nas salas de aula em Salvador, era sempre meio artificial. Claro, sempre tinha um aluno ou outro que já tinha vivido ou viajado pelo exterior e podia também contribuir com a discussão, mas no geral o mais diferente culturalmente falando no Brasil era quando algum aluno ou alguma aluna era de outra cidade ou estado.

Aluno alemão no geral faz dever de casa, gosta de anotar o que o professor escreve no quadro, ouve atentamente cada palavra do professor e traz o livro no primeiro dia de aula. Por outro lado, quando o professor leva uma música pra aula, tem de ir preparado pra dar uma aula extra sobre "skills", "listening for specific purposes" e etc senão Heidi, Ulrike, Hans e co. vão querer saber exatamente qual o significado do "Oh Oh Oh" na linha 2 da terceira estrofe. E cantar, nem pensar!!!

Não sei exatamente o que acontece nas aulas de inglês nas escolas por aqui, mas a maioria dos adultos parece ser bem traumatizada com língua estrangeira de forma geral. Se falam alguma língua com fluência, sempre dizem que não falam muito bem e muitos se recusam mesmo a falar. Uma vez um aluno me perguntou se sua pronúncia me irritava. Segundo ele sua antiga professora do ginásio dizia sempre na sala que a pronúncia de todos eles era de doer os ouvidos. Outro aluno uma vez me mostrou seu dever de casa: uma lista de aproximadamente 50 palavras que ele deveria decorar com as respectivas traduções para um teste que seria feito em duas semanas. Assim fica fácil entender os traumas e dá também pra entender porque os alunos que vem para cursos de língua chegam meio amedrontados, sem saber ao certo o que fazer quando você manda levantar, achar um parceiro, falar um com o outro.

Depois que eles percebem os resultados e constatam que estão entendendo mais e se expressando melhor, ficam eternamente agradecidos, colocam o professor no mais alto pedestal e dão batidinhas na mesa no final da aula. Sim, essa foi mais uma novidade que aprendi ensinando aqui em Bremen: Se o aluno gostou da sua aula, no final ele dá umas batidinhas na mesa, assim como quem bate na porta pra entrar na casa de alguém. É sempre muito gratificante apesar do susto que se toma a primeira vez que isso acontece e você está desavisada.

Então é isso aí. Quem quiser se aventurar a ensinar aqui, é uma experiência que vale a pena e eu recomendo. Só faça questão de vir preparado com muita paciência e amor pros traumatizados, um vocabulário vastíssimo e atualíssimo para os super detalhistas, memória fresca para lembrar que na sua turma tem Kirsten e Kerstin, Helge e Heike, Hans-Peter e Karl-Peter e vocês estarão bem. Enfim, tudo igualzinho como no Brasil, só que um pouquinho diferente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário