Voltar pra minha terra natal me dá a
oportunidade de lançar um novo olhar sobre a minha cultura. Coisas que antes
eram super normais, cotidianas e despercebidas de repente saltam os olhos. Este
é um momento interessante, que eu faço questão de não deixar passar em branco.
O que tem chamado bastante minha atenção recentemente é como a crescente
violência em Salvador tem transformado o comportamento das pessoas. Até meus
amigos mais relaxados e tranquilões estão virando uma pilha de nervos. Isso me
assusta enormemente. Outra mudança de comportamento que eu observei (já de
muuuuuuuito tempo, mas agora está demais) é que pra se proteger um pouquinho
que seja da violência, os Soteropolitanos abrem de mão de cada vez mais
direitos, de cada vez mais liberdades.
Exemplos: já faz tempo que a gente não
pode sacar quanto a gente quer de nosso próprio dinheiro nos caixas
eletrônicos. Pra evitar que seus clientes sejam completamente roubados, os
bancos instituiram limites de saques nessas máquinas. As operadoras de cartões
de crédito seguiram a moda e monitoram de perto as compras de seus associados.
Também bloqueiam seus cartões assim que uma atividade atípica é detectada.
Agora também já não se pode usar o celular dentro dos bancos para evitar que marginais
alertem seus comparsas do lado de fora do banco sobre quem sacou dinheiro.
Outro dia ouvi uma entrevista de um bambambam da polícia dando dicas de como
fazer pra sair vivo de um assalto. Me indignei! claro que eu entendo a lógica
de tudo isso. Claro que quando alguém é assaltado, depois de passado o susto da
situação, é um consolo saber que o bandido não vai poder raspar a sua conta.
Claro que eu entendo medidas preventivas, claro que eu entendo o se querer
tomar cuidado. Mas eu faço aqui um convite a filosofar e filosofando, o que eu
percebo é o seguinte:
Nós
abrimos mão de nosso direito de liberdade. Não podemos sacar nosso dinheiro,
ficar dentro de nossos carros, entrar em certos bairros, usar nosso celular
onde nos der na telha, andar de moto sem virar suspeito, usar nossos cartões de
crédito pra sermos espontâneos, nem tirar meleca do próprio nariz, afinal de
contas estamos sendo filmados. Ao invés disso, as autoridades responsáveis por
garantir nossa segurança e liberdade nos ensinam a aceitar o crime como parte
normal de nossas vidas. Agem
como se fosse ok oficializar o medo, estimular a acomodação. Prendem as pessoas
comuns em um estado de pânico eterno enquanto a criminalidade vai crescendo à
vontade.
Na boa, vocês conseguem pensar uma coisa mais estranha do que viver em
um país (que não está em estado de guerra) e ser obrigado a pensar que
"graças a deus que ele só levou meu carro, mas não me deu um tiro",
"ainda bem que só foi um tiro de raspão" "ele ficou em coma
depois de ter recebido uma bala na cabeça, mas sobreviveu". Será que é
mesmo engraçado apelidar um golpe, que muitas vezes resulta em morte de pessoas
inocentes de "saidinha bancária". É pra ser bonitinho? Vamos nomear a
prática para normalizá-la? É isso?
O que é isso, minha gente? O que é que a
gente está esperando? Não poder mais sair de casa? O dia em que os ladrões vão
distribuir senha pra melhor organizar seus assaltos? A polícia vai dizer o quê?
Tente ficar no fim da fila pra atrasar ao máximo a sua vez? Deixe sua porta
aberta e sirva um cafezinho pra o marginal não achar que você está oferecendo
resistência ao assalto. Quer saber de uma? Eu acho que tá na hora da gente
começar a oferecer resistência sim, a esse modo de pensar que nos tornou
eternas vitimas pacatas da ineficiência e descaso de nossas instituições e de
nossa própria cultura acomodadinha, que parece que só tem força mesmo é pra
gritar "gol".
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