Quem me conhece sabe que eu amo minha Salvador, minha cidade. Não é amor
cego. É amor consciente mesmo. Eu a conheço bem e sei de suas qualidades e seus
defeitos. Sou apaixonada por minha cidade e ainda consigo me emocionar quando
retorno a meus lugares favoritos. A descida da Contorno e o Solar do Unhão são
dois entre tantos. Não canso de dizer: Salvador é linda e emocionante.
Mas nem sempre as emoções
que minha cidade do coração me proporcionam são do bem. Infelizmente muitas
vezes ao chegar à Salvador, ao invés de ser lembrada das inúmeras histórias que
me fazem rir e sorrir neste lugar, o que eu vejo são cenas tristes que deixam
claro o quanto esta cidade está abandonada, entregue à própria sorte e porque
não dizer, mal amada mesmo.
Ao andar pela cidade,
somente uma palavra me vem à mente: abandono. Salvador está abandonada, mal
cuidada, esquecida. São inúmeras praças que ninguém frequenta, parques
dominados por assaltantes e usuários de crack. Tem muitas ruas desertas, sem
iluminação. Muitas calçadas quebradas e pistas esburacadas. A cidade é cheia de
beleza mal aproveitada, desperdiçada. A orla é um bom exemplo disso. Nunca vi
tanto potencial tão mal aproveitado. A orla dos meus sonhos teria boa
iluminação e por isso seria bem movimentada de dia e de noite. Teria a melhor
cena noturna de Salvador, com barzinhos e boates para todos os gostos. Teria um
calçadão amplo e bem cuidado. Teria policiamento, salva-vidas e sinalização em
toda sua extensão.
Essa seria a orla de meus
sonhos. Mas infelizmente a realidade está bem distante disso. Hoje pela manhã
fui fazer uma caminhada por lá e fiquei triste ao ver a areia da praia cheia de
lixo, os urubus fazendo a festa. À noite nem sei, porque já que tenho muito o
que perder, não ando dando bobeira por lá. As imagens que vejo na cidade, não
só na orla, me enchem de vergonha, às vezes me dão até vontade de chorar, não
só de tristeza, de frustração também.
Entra prefeito e sai
prefeito e a cidade fica cada vez mais triste. Mas eu sei que o problema da
falta de cuidado e abandono de Salvador não é só dos prefeitos. É nosso também.
E os soteropolitanos, na minha opinião tem se mostrado péssimos cidadãos. A
praia que eu vi cheia de lixo estava assim não só por falta de coleta adequada,
como também porque alguém jogou aquele lixo em algum lugar que não devia. A
falta de amor dos soteropolitanos com Salvador não para por aí. Além de
emporcalhar a cidade, a pessoas picham os monumentos, roubam as estátuas e as
lâmpadas dos locais públicos, andam com seus cachorros nas praças e não
recolhem as fezes dos bichos e por aí vai.
A conservação dos espaços
públicos segue uma lógica interessante. Quanto menos conservado um local for,
menos comprometidas as pessoas se sentem com ele. E quanto menor o
compromentimento das pessoas com um lugar, maior a predisposição delas para
quebrar, destruir e nem se importarem se outra pessoa fizer o mesmo. É um ciclo
horroso que foi inclusive testado e comprovado por diversos cientistas.
(Zimbardo 1969 e Wilson e Kelling, 1982)
Ciclos como esses, no
entanto, podem e devem ser quebrados ou melhor ainda, substituídos por outros
mais positivos. Pode-se começar pequeno, devagarzinho, simplesmente não jogando
lixo por aí. Quer jogar alguma coisa fora? Procure uma lixeira, ou guarde o
papel na bolsa até achar uma. Eu por exemplo ando com um saquinho na bolsa.
Cansou de carregar lixo consigo? Vamos exigir da prefeitura mais lixeiras pelas
cidade, coletas mais eficientes, explicações sobre como estão investindo o
dinheiro de nossos impostos. Mas só dá pra fazer isso se a gente fizer nossa
parte, né? Isso é cuidar da nossa casa, de nossa cidade. Você gosta de
Salvador? Então demonstre.
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P.S. Em 1969 o time de
pesquisa do professor Phillip G. Zimbardo da universidade de Standford nos
Estados Unidos, abandonou dois automóveis idênticos e em bom estado em duas
cidades com populações bem diferentes. Um foi largado no Bronx em Nova Iorque e
o outro em Palo Alto na California. Em questão de horas depois de ser abandonado,
o carro do Bronx ja começou a ser saqueado. Durante semanas o carro de Palo
Alto permaneceu intacto.
Teóricos conservadores se
deleitaram porque puderam dizer com base científica que quanto mais pobre a
região, maior a predisposição ao vandalismo. Só que aí professor Zimbardo foi
lá e deu umas marretadas no carro de Palo Alto. O resultado foi que no mesmo
dia pessoas (brancas de classe média, diga-se de passagem) começaram a fazer o
mesmo que o pessoal do Bronx. Este experimento foi repetido por outros
psicólogos, sociólogos e criminalistas, todos mostrando resultados semelhantes.
Até que os sociólogos James Q. Wilson e e George L. Kelling lançaram a Teoria
das Janelas Quebradas em 1982 que resumidamente diz que quanto mais descuidado
um local for, maior a probabilidade da ação de vândalos. Quando o descuido de
uma região acaba "expulsando" o cidadão comum, com o tempo ele passa
a ser ocupado por desordeiros. Muito interessante, vale a pena ler.:
KELLING, George; COLES, Catherine M. Fixing Broken Windows: Restoring Order and Reducing Crime in Our Communities. New York: Free Press, 2003.
Zimbardo, P.
G., (1969). The human choice: Individuation, reason, and order versus
deindividuation, impulse, and chaos. Nebraska
Symposium on Motivation, 17, 237-307.
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